O Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard elencou 8 descobertas sobre os cuidados com bebês durante a primeira infância. Entre elas, o fato de que bebês e crianças pequenas são afetados negativamente quando estresses significativos ameaçam seus ambientes familiares e de cuidado. O levantamento também destaca que mesmo após os três primeiros anos de vida, a arquitetura do cérebro pode ser moldada e segue aberta ao desenvolvimento. Outra das descobertas diz respeito à importância da presença de cuidadores na vida das crianças, para além dos pais.
A pesquisa apontou que, embora os vínculos materno e paterno sejam imprescindíveis para o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e psicológico das crianças, há uma série de vantagens quando elas também constroem outros tipos de relações com familiares, cuidadores e amigos próximos da família, por exemplo. O estudo ressalta que essas outras relações não são capazes de interferir negativamente ou substituir os vínculos familiares.
Para Raquel Jandozza, psicóloga graduada pela Universidade Mackenzie, pós-graduada em psicanálise pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e idealizadora do projeto Pré-natal emocional, essa construção da vida social na primeira infância é de suma importância, afinal esse é o período em que o cérebro humano mais absorve e se desenvolve com base nas experiências externas. “Os filhos são como ‘esponjinhas’ ou ‘espelhos’, porque ora eles estão absorvendo o mundo externo, ora se espelhando no comportamento das pessoas à sua volta, nos valores e na cultura daquele núcleo familiar expandido”, explica.
A especialista ainda acredita que, quanto mais referências o pequeno tiver, melhor ele vai se desenvolver, porque estará exposto a diferentes maneiras de falar, reagir e se comportar. “Ter contato com outras pessoas, inclusive, com valores, hábitos, jeitos e comportamentos diferentes, irá criar uma vasta gama de ligações afetivas, possibilitando o amor nas suas diferentes formas”, destaca a psicóloga. Ela diz que isso a criança levará para toda a vida, podendo ser útil, por exemplo, no ambiente de trabalho, em que se exige uma postura e uma forma de se relacionar totalmente diferentes das existentes em casa.
Raquel também pontua que o apoio de outros cuidadores é uma das formas mais efetivas para criar, na criança, um ‘contorno social’. Ela esclarece que a convivência com a mãe e com o pai é de total dependência, porque esses precisam estar sempre na condição de cuidador primordial, e observam a criança por uma mesma linha de olhar e de cuidado. “As relações parentais fazem marcas profundas, e se relacionar com outras pessoas é ter uma experimentação do que é viver em sociedade, vivenciar as relações interpessoais sob um outro espectro, que não o da dependência extrema”, argumenta a psicóloga. Ela aponta que a sociedade, por sua vez, tem a função de lapidar as camadas mais superficiais, sejam afetivas, emocionais ou psicológicas, criando um equilíbrio.
Outro aspecto vantajoso no relacionamento das crianças com outras pessoas corresponde à postura ativa que elas assumem nessas situações – um fator determinante para o desenvolvimento de traços da personalidade de cada um. Se a criança estiver rodeada de gente extrovertida, mas for introvertida, por exemplo, pode vir a ter dificuldade em se relacionar. “Contudo, se exposta a diferentes contextos, vai achar algum para criar conexões e ir se ajustando ao mundo. O universo parental se torna ainda mais enriquecedor quando a rede de apoio entra em ação junto com esses pais, que serão fundamentais para a pavimentação dos afetos que teremos no futuro”, relata Raquel.
Interrupções nas relações são nocivas para as crianças
A pesquisa desenvolvida pela Universidade de Harvard identificou que a suspensão das relações, a alta rotatividade de cuidadores e as interações de baixa qualidade são prejudiciais na construção da afetividade infantil. Embora não tenham a destreza para nomear e entender seus sentimentos, as crianças podem sentir falta de uma pessoa com a qual elas tinham contato frequente. “Isso acontece porque criar expectativas é comum em todo e qualquer tipo de relacionamento humano e pavimentar uma relação também diz respeito à confiança da reciprocidade. Essas situações são capazes de fomentar uma angústia e uma insegurança muito grandes nas crianças”, analisa a psicóloga.
Antes de submeter os pequenos a um novo contato é preciso ponderar se essa pessoa está disponível e apta a fazer parte dessa troca. “Porque tudo que a criança faz é genuíno, e elas podem sentir muito com essa perda. Essas interrupções podem ser de difícil compreensão, porque elas ainda estão se acostumando a lidar com as próprias emoções e possibilidades de relação, por não terem tantos recursos emocionais e psicológicos para isso”, finaliza Raquel.